Nos últimos anos, o cenário da execução de dívidas no Brasil tem passado por transformações significativas. Quem já ouviu a expressão “ganhou, mas não levou” entende a frustração de quem, após anos de batalha judicial, não consegue ver a sentença ser cumprida. A burocracia, os métodos tradicionais de execução e as manobras que alguns devedores utilizavam para evitar o pagamento tornaram esse processo ainda mais penoso. No entanto, um novo conjunto de ferramentas, as chamadas medidas atípicas, tem ganhado espaço e mudado essa realidade.
As medidas atípicas, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), o bloqueio de cartões de crédito, a proibição de participação em concursos públicos, licitações ou, ainda, a restrição ao uso do passaporte, são soluções inovadoras previstas no Código de Processo Civil (CPC). A ideia por trás dessas ações é simples: quando os meios tradicionais de execução falham, essas medidas entram em cena para garantir que a sentença seja cumprida. Porém, é importante ressaltar que o uso dessas medidas é subsidiário, ou seja, só pode ser aplicado quando as tentativas convencionais de cobrança forem esgotadas.
Mas, será que esse tipo de medida é exagerado? Será que pode prejudicar mais o devedor do que realmente ajudá-lo a quitar suas dívidas? É justamente esse equilíbrio que os tribunais têm buscado garantir. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pacificaram o entendimento de que essas medidas são constitucionais, desde que utilizadas com moderação e respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Por exemplo, um dos principais princípios que regem a execução de dívidas no Brasil é o da menor onerosidade ao devedor. Isso significa que, apesar do credor ter o direito de receber o que lhe é devido, o devedor não pode ser submetido a medidas que sejam desproporcionais ou que dificultem ainda mais sua vida sem justo motivo. Nesse sentido, o bloqueio de imóveis, a proibição de uso de bens de luxo e até a restrição de crédito são aplicadas de maneira a não inviabilizar a subsistência do devedor, mas sim garantir o cumprimento da sentença.
Um exemplo recente desse tipo de medida foi a decisão do ministro Marco Aurélio Bellizze, que destacou que a adoção da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) para bloqueio de imóveis da parte executada não viola o princípio da menor onerosidade do devedor. Isso porque a medida não impede que o devedor use o imóvel, apenas limita sua venda até que a dívida seja quitada. O objetivo é simples: garantir que o credor tenha acesso ao que lhe é devido sem, no entanto, prejudicar a vida do devedor de maneira desproporcional.
O uso de medidas atípicas é um reflexo da tentativa de modernizar e tornar mais eficaz o sistema de justiçabrasileira. No passado, credores enfrentavam uma longa espera e diversas dificuldades para ver uma decisão judicial ser efetivamente cumprida. Hoje, o uso dessas ferramentas proporciona mais segurança e eficiência no cumprimento das sentenças, desde que aplicadas com critério e moderação.
Portanto, é fundamental que a população compreenda que, embora essas medidas possam parecer severas à primeira vista, elas são instrumentos importantes para garantir o equilíbrio entre os direitos do credor e o respeito à dignidade do devedor. A adoção dessas práticas está transformando o cenário da justiça, trazendo mais efetividade às decisões judiciais e, ao mesmo tempo, garantindo que a execução seja realizada de maneira justa.
Assim, quando medidas como o bloqueio de cartões ou a apreensão de documentos forem noticiadas, é importante lembrar que elas são um reflexo do esforço contínuo da Justiça para encontrar soluções que permitam o cumprimento das decisões judiciais de forma mais célere e eficaz, respeitando sempre as ponderações dos tribunais superiores (razoabilidade e da proporcionalidade!)
Murilo Mattos
Professor de Processo Civil
Advogado